Seguidores

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Contra todas as probabilidades, robalo de 9,170kg




Há quem acredite nas coincidências ou num destino pré definido. 
Por norma tento encontrar explicação nos acontecimentos ou na sua interligação, explicar aquilo em que não acreditámos é um exercício bem mais difícil, pelo menos assim o é para mim. 
Na prática todas as decisões que tomámos ao longo da vida têm a sua influência no futuro, às vezes com consequências imprevisíveis condicionadas por pequenas decisões. 

Na pesca assim o é também, estar na altura certa e no lugar certo por vezes pode ser um exercício matemático de probabilidades mas há momentos que todas as probabilidades podem ser derrotadas ou em que simplesmente o improvável acontece. 

Com muito prazer que me identifico com a pesca, sempre assim o foi desde que me recordo de ter memória. 
A pesca esteve comigo desde sempre e eu sempre estive com a pesca, tive a felicidade de viver momentos inesquecíveis a pescar em criança, adolescente e já em adulto, não se pode viver do passado mas é igualmente impossível viver sem recordar o mesmo, penso que vivi na pesca dia após dia com objectivos diferentes, à distancia do tempo penso que consegui atingir todos os objectivos a que me propus, ao longo dos últimos anos acho que desfruto da pesca na sua plenitude, já não me preocupava em apanhar peixes grandes ou tentar descobrir aquele segredo guardado a sete chaves por alguém, já à muito que deixei de acreditar em amostras ou técnicas infalíveis, a idade acabou por fazer o seu trabalho. 

 Falando de robalos faz já muitos anos que tinha batido a barreira dos 8 kg num fim de tarde na foz do Douro algo que por aqui já escrevi. 
 Em média no fim de um ano devo pescar entre 3 a 4 vezes por semana, depois dessa tarde nunca mais bati essa barreira, fiz pescas brutais, apanhei peixes grandes, a barreira dos 6 e7 kg bati várias vezes, a partir dos 8 nunca mais, imaginem o numero de vezes que já pesquei depois disso, penso sinceramente que depois desse dia ferrei 2 peixes que podiam bater esse peso, perdi os dois. 

Voltando atrás no texto, coincidência ou não nesse fim de tarde que apanhei o peixe peguei na cana para fazer tempo para o Jantar que por sinal até ia ser uma reunião familiar como agora ainda o fazemos semanalmente, nesse final de tarde apanhei esse peixe e mais três, todos eles excelentes peixes, um peixe acima dos 6 e dois entre os 3 e os 4 kg., dificilmente esquecerei esse dia porque foi o dia em que capturei o meu maior robalo mas também porque foi uma coincidência ter ido pescar, não tinha nada planeado e nem sequer a maré era das mais indicadas para aquele local, lá estão as probabilidades a enganar ou apenas o improvável a acontecer. 

Sempre tentei ser o mais racional possível na pesca (retirando a parte das aquisições das amostras), sempre gostei de ir preparado para diversos cenários no entanto existiram pescas atípicas e sem qualquer tipo de condições e planeamento que me fizeram crer ao longo dos anos que na pesca basta ir pescar, concordo que há padrões, existem factores, condicionantes, muitos já abordei por aqui e penso que temos que padronizar as nossas pescas para aumentar as capturas, saber o porquê das grades e das capturas é importante em pescas futuras mas esquecemos sempre o improvável. 

No mês de Dezembro por norma pouco pesco, por razões que nem sequer são pertinentes para este texto, mas as vezes que vou pescar são mesmo muito reduzidas. 

O mar há vários dias que não tinha condições para pescar, observava-o diariamente e poderia existir uma pequena janela para pescar numa quarta-feira pelas previsões do Windguru, essa bela ferramenta que tantas vezes nos engana. 
A Quarta feira chegou e de manhã como habitual fui ver o mar, bem… nada de especial e muito forte ainda, a janela prevista estava para depois do almoço, na véspera tinha comentado com dois amigos que ia lá pescar uma hora mas a vontade já não era muita depois do que tinha visto pela manhã. 

Depois do almoço, pego na cana e carreto e começo o ritual da escolha das amostras amostras, só que a meio desisti, decidi levar a cana, o carreto, uma caixa com zagaias e meia dúzia de vinis tudo dentro de uma mochila estanque, decidi ir pescar de waders algo também que raramente vou fazendo. A motivação estava em baixo, aquelas condições não me despertavam confiança. 

 Ao sair de casa ligo ao Valadas a perguntar onde andava, estava num pesqueiro mas o mesmo não tinha condições e decidimos encontrarmo-nos noutro, quando já cheguei lá estava ele a fazer o seu famoso nó, enquanto ele tratava do terminal fui ver o pesqueiro e com aquele vento e sem água naqueles caneiros a sorte parecia que não ia ser muita. 
Combinámos então ir ver um outro e nesse as condições eram melhores só que o vento era insuportável, lembro-me de estar a vestir o wader e a pensar “ que perca de tempo, devia ter era juízo”. 

Lá fomos os dois e retirando o vento o mar até estava com algumas condições, pescável mas no limite, um caneiro, dois caneiros e nada, na verdade sinceramente não esperava capturar nada. 

O Valadas a determinada altura pescava com uma Saltiga e exaltava as qualidades da mesma, eu continuava com uma zagaia a lançar em leque, lembro-me de ter trocado o atrelado da mesma duas vezes, falávamos do pesqueiro e dos peixes que já se perdeu devido à dificuldade do mesmo, muitas pedras e para complicar pescámos a cerca de 2/3 metros da água. 
  Até que o improvável acontece: ferro um peixe e o que acontece a seguir as palavras serão sempre escassas para retratar: 

Ferro o peixe e a cana dobra automaticamente como se de uma mola se tratasse, o peixe inesperadamente não leva linha, sobe à superfície, chega à superfície debate-se com força e começa um corrida para o fundo, lembro-me de estar com o peixe e de ouvir o Valadas a comentar que quando o peixe bateu na superfície pensou que fosse a onda a bater num floreado rochoso meio submerso que lá tem, o peixe pedia linha e linha ele teve, a girar a manivela ao contrário pensava como haveria de tirar o peixe da água. 

O mais difícil estava para vir, porque naquele ponto de maré não conseguíamos chegar à linha de água para cobrar o peixe, sabia que não podia encostar o peixe às pedras sem saber em que sitio o tinha que fazer, a única hipótese era segurar o peixe fora e pensar como o cobrar, o problema é que esta não é daquelas situações que nos podemos sentar e pensar como fazer, ou tomámos decisões rapidamente ou adeus peixe. 

O Valadas e bem dizia para segurar o peixe fora, só que pescávamos paralelos à rebentação com a agravante que tinha pedras pela minha direita e esquerda, todas altas, o peixe para ser cobrado tinha que ser pelo sitio onde nos encontrávamos além de ainda não saber onde iria encalhar o peixe o mesmo lutava e com a rebentação a empurrar o peixe no sentido das pedras à minha direita. 
 Tentei descer a pedra pela esquerda, o Valadas dizia que por aquele sitio não ia dar e tinha razão, voltei a subir e olhando para a direita descubro uma pequena hipótese: descer a pedra onde me encontrava e saltar para outra, mesmo assim não chegava à agua, o salto não era difícil, o peixe já se encontrava cansado, o problema era a rebentação que teimava em arrastar o peixe para as pedras e sempre que vinha uma vaga tinha que forçar o peixe para ele não ser arrastado, só tinha que saltar e manter a linha em tensão, assim pensei e assim o fiz, mais próximo da água já estava, mas o metro que faltava pareciam 10 metros, o Valadas já me tinha seguido e foi graças a ele que surgiu a solução: A ideia seria arrastar o peixe por cima de uma pedra com a ajuda da vaga, quando a vaga passava a pedra enchia igualmente um buraco entre pedras, nesse buraco o Valadas conseguia chegar ao peixe, o único senão era que se não o conseguisse agarrar na primeira tentativa a água iria recuar  e o buraco ficaria sem água e o peixe iria acompanhar a descida da água, se isso acontecesse o mais certo seria perder o peixe. 
Era uma hipótese… Convenhamos que era a única possível, esperámos pela vaga certa e forcei o peixe com o material no limite quase a ceder à rebentação, arrasto o peixe por cima da pedra e assim que o peixe cai no buraco o Valadas consegue agarrar o peixe pela guelra. 

Foram dez minutos de adrenalina ao máximo com algumas gargalhadas pelo meio, sabia que era um peixe grande mas só tive a real noção quando dei a mão ao Valadas para o puxar para cima e ele o colocou aos meus pés. 

Recordo muitos pormenores da captura mas dificilmente esquecerei a alegria que ambos sentíamos, lembro-me que ficamos durante uns breves segundos em silencio a olhar para o peixe e depois foi a explosão de alegria. 

O improvável aconteceu: condições péssimas para pescar, pesqueiro de dificuldade extrema e um robalo de 9.170 gramas, depois de tantos anos bati novamente a barreira dos 8 kg. 

Tenho a perfeita noção que um peixe deste tamanho não define um pescador, porque poderia pescar dia após dia e nunca encontrar um peixe desse calibre, tenho noção que o improvável, a sorte e o destino tiveram comigo nesse dia mas também teve o Valadas que sem ele era impossível cobrar aquele peixe, aliás tenho sérias duvidas que um pescador sozinho naquele local conseguisse cobrar o peixe. 


Para terminar quero dizer que são estes momentos que só os pescadores verdadeiramente apaixonados entendem, na memória ficará o peixe mas fica igualmente a alegria do genuína do Valadas com a captura, se levo muitos anos a pescar o Valadas ainda mais, e quando estamos presentes em alegria genuína tudo tem um sabor diferente, uma pureza que não merece ser manchada por palavras, ao Valadas o meu obrigado. 
Mais tarde apareceu outro amigo: o Pedro e depois o meu irmão com outro amigo o Marcos, e durante 30 minutos o peixe foi o Rei. 

Quem vai acompanhando o robalos na alma sabe que não faço relatos de pescarias com frequência, quando criei o blogue  necessitava de um espaço para colocar algumas ideias, eram quase inexistentes  os blogues de pesca no  Norte de Portugal, tentei durante anos ir mantendo este espaço com imparcialidade e completamente isento de marcas ou correntes de opinião do exterior, o relato de hoje é para partilhar uma das coisas mais puras que tenho: 

 O prazer de pescar, a alegria que tenho de saltar de pedra em pedra, de sentir o cheiro a maresia e de sonhar com os peixes, o momento em que deixar de sentir esse prazer ou ilusão a pesca perde o sentido, nunca criei este espaço para gáudio pessoal, o que me interessava partilhar era uma paixão.. 

Nunca me arrependi de nada na minha vida, este espaço também faz parte de uma etapa, é chegada a altura de me ausentar deste espaço, quando faço algo tenho que o fazer com gosto, paixão e dedicação, há alturas que os níveis de saturação atingem picos e é nessa fase que me encontro faz já largos meses, chegou a altura de oxigenar e perspectivar, desligar a ficha por vezes é importante e é o caminho que neste momento decidi. 

Voltarei ao robalos na alma isso vos posso garantir, se daqui a 2 meses ou daqui a dois anos não faço a mínima ideia, prometo que um dia voltarei aqui a escrever. 

A todos os que foram visitando e participando neste espaço o meu sincero agradecimento, graças a este espaço conheci pessoas fantásticas e só por isso já valeu a pena ter iniciado este espaço 

Pesquem e estimem esta paixão maravilhosa, continuem a perseguir os vossos objectivos e continuem a sonhar com peixes grandes, seguirei perseguindo os peixes, com a mesma ilusão de quando era um miúdo, no fundo pescar é sonhar e quando perdemos a capacidade se sonhar perdemos um pouco da nossa condição humana

Faço esse interregno com a mensagem que ainda há peixes grandes daqueles que aparecem nos nossos sonhos mesmo que por muito mais improvável que pareça vale a pena pescar, vale a pena continuar a sonhar..

A pesca é um destino que nos amarra, com sol ou à chuva , de noite ou de dia quando as probabilidades assim o entenderem encontrámo-nos numa praia,até um dia amigos, bem haja a todos..